16.9.09

PERTO DO CORAÇÃO SELVAGEM

Entre um instante e outro, entre o passado e o futuro, a vaguidão branca do intervalo. Vazio como a distância de um minuto a outro no círculo do re­lógio .
O fundo dos acontecimentos erguendo-se cala­do e morto, um pouco da eternidade. Apenas um segundo quieto talvez separando um trecho da vida ao seguinte.
Nem um segundo, não pôde contá-lo em tempo, porém longo como uma linha reta infinita.
Profundo, vindo de longe, — um pássaro negro, um ponto crescendo do hori­zonte, aproximando-se da consciência como uma bola arremessada do fim para o princípio.
E explo­dindo diante dos olhos perplexos em essência de si­lêncio.
Deixando depois de si o intervalo perfeito como um único som vibrando no ar.
Renascer de­pois, guardar a memória estranha do intervalo, sem saber como misturá-lo à vida.
Carregar para sem­pre o pequeno ponto vazio .

CLARICE LISPECTOR